terça-feira, 11 de março de 2008

FELIZ DAQUELE QUE SE BASTA

Um aplauso ao idoso do Mogadouro, entrevistado, hoje, no Jornal da Tarde da RTP1 que, a propósito de uma reportagem onde se retratavam as largas deslocações dos habitantes de Trás-os-Montes, para obterem uma consulta de Oncologia, quando questionado sobre se conhecia ou não, que o Estado subsidiava o transporte nas referidas deslocações, respondia o seguinte:

– “Não sabia, mas também não interessa. O Estado já tem muito prejuízo com nós.”
Neste português de instrução primária, talvez fruto duma vida de cedo trabalho, nem por isso baixeza no carácter. Fica-me a dúvida, ainda que não hesite num desfecho: ignorância no crescimento intelectual, baseado numa qualquer concepção de Estado Social, ou propositado altruísmo social? Não se menorize a primeira hipótese, cite-se, antes, a inconsciente feliz camponesa de Pessoa ortónimo:

“O mistério do mundo,
O íntimo, horroroso, desolado,
Verdadeiro mistério da existência,
Consiste em haver esse mistério.
...Não é a dor de já não poder crer
Que m’oprime, nem a de não saber,
Mas apenas completamente o horror
De ter visto o mistério frente a frente,
De tê-lo visto e compreendido em toda
A sua infinidade de mistério. ...
Quanto mais fundamente penso, mais
Profundamente me descompreendo.
O saber é a inconsciência de ignorar...
Só a inocência e a ignorância são
Felizes, mas não o sabem. São-no ou não?
Que é ser sem o saber? Ser, como a pedra,
Um lugar, nada mais. ...
Quanto mais claro
Vejo em mim, mais escuro é o que vejo.
Quanto mais compreendo
Menos me sinto compreendido.
Ó horrorparadoxal deste pensar...
...Alegres camponesas, raparigas alegres e ditosas,
Como me amarga n’alma essa alegria!”
Do criador sem fim, Pessoa Ortónimo

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