segunda-feira, 24 de março de 2008

Música "Ad Eternum"

Plana a leve ave,
E sofregamente se aquieta na rugosa nuvem,
Esperando a condensação daquela,
E o fenómeno da pluviosidade.

Desgosta-a, pois embora envolvente,
Imagina demais nuvens,
Imensos outros brancos poisios,
Porventura mais que o mero perfeito.

Nunca foi geógrafa, nem cartomante,
Limita-se, no correr dos dias, a colectar,
Experiências, coisas demais e acrescentos,
O âmago, que quis, à muito que alcançara.
Fora aqueloutra nuvem, na 1.ª estrofe mencionada,
Tarde, porém, o dia que o certificara.

Sonha a ajuda do Vento,
Tal qual eu sonho a ajuda do Tempo,
Volta Nuvem, torce-te e recebe-me,
Sou o teu destino.

sexta-feira, 21 de março de 2008

O VENTUROSO (II)

Consagrou-se, na forma reflexiva do verbo, ou consagraram-no a sua mestria no software que criou, destinado a dar amparo aos solitários pilotos e ajudante, na tarefa de pouso de aeronaves e inerente conteúdo, mesmo que mero vácuo.

Era uma tarde de Sábado, vazia de ocupação social. Amigos? Contados pela mão, de duas seria maneta. Defronte do monitor, um sem fim de números, ainda que não mais de dois. Incoerente, mas possível ou não fossem zeros e uns. Juntando-os em determinada forma e em certa quantidade, adicionadas relações e interacções, tudo estancara sempre no mesmo ponto: resolver o programa dando-lhe uma particular ferramenta, de fácil manobra, pois árduo era já equacionar bichos gigantes de motores e turbinas, tamanhos tais, diz o povo que viu e aqueloutro que depois soube, que derrubariam duas gigantes, nova-iorquinas torres iguaizinhas, ditas gémeas, mas de parideiras diferentes, talvez uma da “Somague” e outra da “Soares da Costa”.

Fez uma pausa. Sobreaqueceu leite já arrefecido e após inspirar o cheiro libertado, pelo mergulhar do pau de canela no fervido leite, mesmo antes de nele depositar o já feito e frio café, o herói transcendeu-se, montanhou-se e fez o não feito: resolveu e maravilhou o mundo, ainda que este isso não soubesse, já, pois pouco tardaria a nascer o dia, o dia do nosso génio. Descrente ainda do seu produto, informático, gastou o resto de Sábado e cada um dos 172.800 segundos do Domingo, minto, desperdiçou alguns deles entre degolar restos de comida e expulsar o que o corpo rejeita.

Confesso que ele nem ria, pese embora adivinhasse o garantido sucesso. Entrou no edifício da multinacional, onde quotidianamente desenvolvia o seu trabalho, mas sem subir ao seu gabinete. Quedou-se pelo sofá da recepção, aí se alongando, fazendo cair o pescoço nas costas do referido alojamento. Eram já as 11h, quando tomou o elevador, depois de conseguir pensar duas lateralidades. Sim, lateralidades, pois o essencial era exibir o magnânime programa e desfrutar a vida, mesmo trabalhando-a. A primeira lateralidade foi notar que todos quantos ali passaram não o conheciam ou tão mal dele se lembravam que nem o digno “hola” vociferaram. Mais idiota só a quietude das três agitadas recepcionistas, fechadas nos seis telefones que as ladeavam e no constante processamento de textos e mais coisas em folhas tratadas.

Tomado o elevador subiu ao seu topo, quase nem sabendo dedilhar o botão respectivo, pois nunca passara um piso acima daquele onde ficava o seu gabinete. Apenas uma vez subira um andar, para entregar um “Compact-Disc”, vulgo CD, ao seu imediato superior hierárquico, já que, nesse tormentoso dia, a rede LAN não funcionara no prédio. Chegado ao último piso, a dez metros, o imenso gabinete do presidente da multinacional, ainda que espanhola. Três passos dados, foi interpelado pela secretária do Sr. Presidente: – Aonde vai?

Queixo excessivamente erguido, ignorou qualquer ruído ou som articulado, indo directamente ao supremo gabinete. Irrompeu pela porta, fitou o Sr. Presidente, que ao telefone estava, ao telefone continuou, mas inerte, atónito perante tal invasão. Sem sequer proferir uma palavra, de imediato abriu o “laptop” que consigo trazia. O programa estava já aberto, em modo de suspensão o portátil estava, num ápice se iluminou o seu monitor e, após a clemência de um minuto pedida, mostrou o ouro moderno que construíra, como tempos atrás, fizera Midas.

(pergunto-me como será isto verosímil, mas sempre lembro um ingrediente destes fáceis, na acessibilidade, Srs. Presidentes de multinacionais informáticas: a simplicidade do carácter, como quem para chegar ao sistema operativo e explorar o computador carrega apenas num botão e o resto espera somente um clique, sem mais por onde ter de correr. Duvidam? Mas foi verdade, num programa por muitos usado)



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O VENTUROSO (III)

Acapulco, dentre os vários locais onde esta multinacional operava, foi o escolhido pelo Albuquerque, o já dito nosso herói. Redundou num prémio auto-infligido, envolto num misto de prazer e concretização, pela via do labor, no programa operacional de aterragem de aeronaves no aeroporto de Acapulco.

Viagem marcada, com partida agendada para as bem cedo sete horas da matina, no segundo maior aeroporto da Europa de então, Barajas, Madrid. Controlo de armas e demais objectos ultrapassado, aguardado o momento de entrada no avião, sentou-se no banco 26 da fila J.

Ao seu lado, um longo decote. Sempre equiparara o espaço entre tais edificações a um vale, nalguns valioso, noutros pobretões, comuns artifícios do mulherio, na busca de alheio reparar, cujo intuito sempre questionei – aceitação social? Aí sempre se perguntará, porque rejeitam, então, quem as quer agitar? –.

Exibia ainda um mediano piscar de racha de saia travada, terminada logo após o joelho quando em pé, um palmo antes se sentada. Naquele momento em que o Albuquerque se apossou do lugar 26, fila J, ela, imediatamente ao seu lado, retirou o longo casacão, aí se denunciado. Os olhos que até ali se resumiam a duas folhas A4 e ao livro que lia – “Guerra e Paz” de Leon Tolstói –, queimaram no rosto do nosso personagem. Estarreceu. Congelou. Pasmou. Decorreram três segundos em total inércia contemplativa, perante a monstruosa beldade física ao seu lado.

No tronco, além do vale de decote, dois seios redondos, ligeiramente ovais nas extremas superiores e inferiores, devidamente abraçados pelo sutiã, mais exibindo um tom tigreiro na pele, não seca e espantosamente apelativa ao meu suspiro. A face, de temperada cor morena, destacava os seus olhos e, na busca do seu sorriso, depois de ter tocado o seu braço e disso me desculpado, obtive o troco em forma daquele, do sorriso. Fabulosamente luminoso, fotografei-o em memória. Nada mais me lembro, senão aqueles centímetros quadrados de boca alegre, dizendo “Não faz mal”, no instante logo após, já sem som, naquele micro segundo de sorriso quieto, amiúde buscado nas fotos. Após o seu terminus e após interiorizá-lo, caí com o olhar no chão, no meu lado esquerdo. Nesse correr de espaço visual, as suas pernas. A saia justa gritava a forma desta, notoriamente tonificadas sem músculo visível, femininamente delgada, sem mentiras afinal flácidas ou sem excessos de “testosterona muscular”.

Sexualmente incitado por tão puta provocação, auto-sentenciou-a como a próxima ceia. Assim era o Albuquerque, profundamente deselegante no que a elas toca, exasperadamente irresistível. Com a frieza de quem tem fome e busca presa de foda, disfarçou o enleio, altivou-se e fez-se. Sem vírgulas, sem pausas, numa única frase: – “Quero-te.” –. Isto dito, sorriu e potenciou esse gesto, em largo e demorado riso.

Ela? Como ele as sabia! No rosto, ela espelhava o profundo choque por tão infame ditame, mas a sua libido desmentia-lhe a expressão. “Agora? Quer-me? Quem pensa ser ele? Criou aquele genial programa e, agora, arroga-se num D. Juan porno? Como o quero… Já.” – eis a narrativa da sua actividade intelectual, bem dominada pela crescente vontade de aceder ao “Quero-te” dele. Respondeu: – “Sim, Albuquerque, agora e ali, no wc do avião.”

No seu jeito de desmascarado dissimulado, engoliu o espanto pelo facto dela saber o seu nome. Na perversidade dele, isso resultou num belo apimentar do acto de a usar e terminar aquele ponto de rebuçado sexual.

Contou três minutos, em pedaços de cento e oitenta segundos – nunca isto vira, permitam-me enquanto narrador, destacar: extasiado em erecto pénis, contando números até ao total de 190 reduzido de 10 – e correu para ela. Nos quinze metros corridos até ao wc do avião, o torpe Albuquerque tomou uma irredutível resolução.

Dias antes de partir, soubera que em Acapulco iria ter a companhia de uma virtuosíssima engenheira informática, premiada, à dias, com o Nobel Dinamite da Engenharia, daquela Sueca Academia. Riu-se nesse dia. Uma mulher? Era ela, assim se explicaria saber o seu nome e deixar-se, levar, sem esforço para uma pura exibição de hormonas, num inóspito cubículo de avião. Naqueles quinze metros, percorridos que foram dois, decidiu matá-la. Uma tamanha tentação apagá-lo-ia e faria emergir a sua única fraqueza: Mulheres, como ela, Irresistíveis, onde nos resta apenas a rendição ao seu corpo.

Bateu e logo abriu a porta. Aos seus olhos as despidas costas dela: tocou-as, quentes e macias, derrubou a face esquerda do seu rosto nelas e aquietou-se, enquanto lhe palpou o joelho direito, procurando mergulhar a mão dentro da saia. Subiu-a o suficiente para lhe sentir as cuecas que não tinha. Em louca insubordinação alargou a mão tocando-lhe todo o meio das pernas, em erudito dizer, a vulva. Sem mais, apoderou-se daquele pedinte pedaço de corpo e encetou o alienado acto da cópula, vaginal no caso. Firmemente penetrada, após estabilizar as mãos nas ancas dela, quis-lhe os peitos, tomou-os na palma de suas mãos e dez dedos, sentiu-a perto do êxtase e, em egoística prática, tratou de expulsar a loucura do tesão tido, de forma cuidada, ejaculando-se para fora dela. Já frio e maquiavélico, tangendo-lhe veemente com a mão esquerda o clítoris, com a direita puxou-lhe o pescoço atrás, abri-lhe a boca e do bolso retirou o pacote de cianeto.

Daqueles quinze metros, entre o terceiro e o décimo quarto, quando se dirigia para o wc, tirara da sua carteira de moedas a arma que, em imemoriais tempos, ali colocara, salvaguardando um perigo que sonhou, na madrugada precedente. Era aníon de cianeto em forma de pó, guardado numa saqueta, de tamanho inferior a uma moeda de dois cêntimos europeus.

Eis então que, entre o friccionar do segredo da Mulher, a boca aberta clamando gritar “Orgasmo” e pescoço atrás repousado, ele, no auge do clímax, no instante do grito e dos olhos eclipsados, despejou o pó cinza esbranquiçado e ela, sem reacção, gemendo de queixo atrás caído, engoliu tamanho veneno.

Limpou quaisquer seus vestígios e arrumou-a, despenteando-lhe o cabelo, deixando o saco de cianeto ao lado, sentou-a na sanita, não sem antes retirar da ponta dos dedos as peles artificiais que cobriam os seus dedos. À socapa, saiu, batendo a porta, na posição ocupada.

Já no aeroporto de Acapulco, apanhou o táxi e só na casa que lhe havia sido destinada, três horas depois de uma soneca reles e tremida, ligado o televisor, notou a notícia que marcava a actualidade: a recém Nobel Eng.ª faleceu a bordo do avião que ligou Madrid a Acapulco. A polícia mexicana investigava já o caso. Ouviu baterem à porta, abriu e, temerosamente, olhou os Polícias. Inquiriram-no sobre o voo, sobre se vira algo de suspeito, a tudo dizendo que não, nem tampouco reconhecendo a foto mostrada. Mais disseram os agentes: – “São procedimentos de rotina.” – ; Insistiu: – “Mas não há nenhuma suspeita? –; Num espanhol muito próprio, quase dialecto, explicaram-lhe que tudo apontava para suicídio… Depois de melhor a investigarmos e vasculharmos a sua vida, talvez o tivesse feito pela pressão vivida nos últimos meses, na busca da Quimera, ao caso o Prémio Nobel (não com um intuito meramente exibicionista, mas apenas como angariador de fundos patrocinadores de futuras investigaões).

Aliviado, quedou-se pela sua vida e matou a ocorrência experimentada naquela viagem. Riu-se em largas gargalhadas: “Era perfeita a teoria. Suicídio pela pressão sentida: o típico feminino.”.

quarta-feira, 19 de março de 2008

IMUTABILIDADE NO LAÇO E NA PRESENÇA

Aos 19 de Março de 2008, do século XXI, D. C., da era cristã, uma ligeira nota auto e hetero biográfica. Sem copiar, no meu timbre de obstinada diferenciação, é perene, horizontal e inquestionável a admiração por ele. Cedo, senti certo e merecido o devido respeito.

Fruto doutra educação, de diferentes axiologias, nem por isso reprime uma inata maleabilidade ao tempo, ao variar do social e a mim, a mim. Joga à bola comigo ao Domingo, embora remonte a 1954, 22 de Junho de sua graça. Nada ou pouco mais (o que considerando o meu egocentrismo será muito), me dói de forma tão severa do que falhar perante ele, frustrando uma sua razoável expectativa – só me sobra não o fazer.

No mais, o sonho realizado de ser um bom pai, que recolhe críticas, não as enjeita e responde em tempo e bem. Figurará S. José no presépio católico, como figura de menor destaque, nem por isso prescindível. Embora mais simples, humilde e limitadamente humano, é o paradigma do equilíbrio, fulcral ponto da vida comunitária.

Assim, és tu Pai.

quarta-feira, 12 de março de 2008

POR ONTEM E TRANSANTEONTEM

Num inegável patriotismo comentariado, sob a desculpa de um jogo, suplantámos o mortal quotidiano e agigantamos uma cidade e seu clube de futebol, como o melhor da Europa, tempos depois, melhor do Mundo. Como sabe bem lembrar tempos recentes de glórias além fronteiras, ainda que contem, já, três vezes 365 e quase uns 366. Isto hoje porque ontem emergiu na nação portista a frustração da meta tocada e não ultrapassada. Abomino repetições e moralidades continuadas, mas, para infelicidade minha e de outros tantos como eu, o “lack” de coragem de Jesualdo na primeira mão fez-nos pagar um preço bem caro. Permitam-me corrigir, falta ao Jesualdo um querer assumir o jogo de forma explícita, mormente naqueles supostamente mais difíceis, privilegiando ou guarnecendo de mais o lado e o momento defensivos do jogo portista, em detrimento da saída para o ataque, que ele tanto quer rápida, mas que se mostra prejudicada pela falta de jogadores prontos a executar tais tarefas, já que estão predefinidos para serem mais cautelosos. Falo de Raul Meireles e Lucho Gonzalez, os dois jogadores instrumentais na transição entre esses dois momentos essenciais do futebol e que no jogo disputado na Alemanha não gozaram duma tão grande liberdade táctica como ontem, ou se preferirem, não receberam do seu treinador o incentivo e confiança necessários para jogarem mais adiantados.
Deixo aqui uma sincera vénia à manga de jogadores portistas: soberbo jogo, o de ontem, naturalmente com imperfeições, mas direi que foram tão-somente as bastantes, para acalentar a evolução no futuro (ainda que, espero, sob a égide doutro mestre de embarcação). Se dontem alguma coisa positiva resultou, talvez a permanência por mais um ano do trio decisivo no ataque do FC Porto, Lucho, Quaresma e Lisandro. Oxalá permanecem ou, destes, apenas um parta. Sejamos assim, apenas e menormente, campeões nacionais.

terça-feira, 11 de março de 2008

FELIZ DAQUELE QUE SE BASTA

Um aplauso ao idoso do Mogadouro, entrevistado, hoje, no Jornal da Tarde da RTP1 que, a propósito de uma reportagem onde se retratavam as largas deslocações dos habitantes de Trás-os-Montes, para obterem uma consulta de Oncologia, quando questionado sobre se conhecia ou não, que o Estado subsidiava o transporte nas referidas deslocações, respondia o seguinte:

– “Não sabia, mas também não interessa. O Estado já tem muito prejuízo com nós.”
Neste português de instrução primária, talvez fruto duma vida de cedo trabalho, nem por isso baixeza no carácter. Fica-me a dúvida, ainda que não hesite num desfecho: ignorância no crescimento intelectual, baseado numa qualquer concepção de Estado Social, ou propositado altruísmo social? Não se menorize a primeira hipótese, cite-se, antes, a inconsciente feliz camponesa de Pessoa ortónimo:

“O mistério do mundo,
O íntimo, horroroso, desolado,
Verdadeiro mistério da existência,
Consiste em haver esse mistério.
...Não é a dor de já não poder crer
Que m’oprime, nem a de não saber,
Mas apenas completamente o horror
De ter visto o mistério frente a frente,
De tê-lo visto e compreendido em toda
A sua infinidade de mistério. ...
Quanto mais fundamente penso, mais
Profundamente me descompreendo.
O saber é a inconsciência de ignorar...
Só a inocência e a ignorância são
Felizes, mas não o sabem. São-no ou não?
Que é ser sem o saber? Ser, como a pedra,
Um lugar, nada mais. ...
Quanto mais claro
Vejo em mim, mais escuro é o que vejo.
Quanto mais compreendo
Menos me sinto compreendido.
Ó horrorparadoxal deste pensar...
...Alegres camponesas, raparigas alegres e ditosas,
Como me amarga n’alma essa alegria!”
Do criador sem fim, Pessoa Ortónimo