segunda-feira, 28 de julho de 2008

HUMOR

Nunca deixei ninguém chorar perto de mim; sempre assassinei silêncios mortos, quebrando hiatos de conversa e vazios de interacção. Não gosto da quietude, senão no consultório médico, dada a minha ignorância em rebater doutos argumentos medicinais. No mais, o silêncio é sempre perturbável, como numa podre Igreja Católica, num espectáculo de teatro, num momento de suspense de travagem de carro ou num velório de idolatração post-mortem.

Hoje excepciono e revelo uma pessoal história. Corporizava, nessa data, singelos catorze ou quatorze anos. No momento, leccionava-se Francês, salvo erro de memória remota, entre os “tempos” das 10h35 e 11h25. A professora cumulava tal disciplina com a de Português. Meia aula de francês decorrida e a dúvida instala-se sobre a forma verbal de um verbo irregular, sobre a sua conjugação num determinado tempo e espaço, se bem que este segundo fosse bem concretizado – a sala de aula. O mediano aluno, primeiramente perguntado, desconhecia a resposta. O terceiro melhor aluno corroborou a ignorância e, em urgência de salvação, indo logo ao melhor, nada melhor foi alcançado.

Morreu, perdeu, desencontrou-se e desesperou… Afinal a brilhante leccionista falhara a sua missão. Gritou moderadamente a angústia de frustração profissional: naqueles pouco mais de vinte e cinco alunos nem um sabia a resposta – eu incluído (para a estatística, o segundo melhor). Em longo monólogo de rigorosos dez minutos, exteriorizou a sua mágoa de falha laboral e concluiu, em palavras que recordo, mas sem literal textualidade:

VOU DESISTIR DE ENSINAR; VOCÊS NÃO APRENDEM.

Irrompia-a. Quebrei-lhe a fala, aproveitando-me do seu espaço de respiração, quando já se preparava para, em renovado fôlego, novamente fazer eclodir o defraudar verbal em que aquela aula se tinha transformado (afinal, logo a seguir, com a mesma professora teríamos a disciplina de Português). Em tom seco, corajoso e de elegante revolta (sempre odiei velhos chorões e resmungões), inquiri:

– “S’tora, a seguir teremos Português? Como pretende abandonar o ensino…

Doeu-lhe. Doeu-lhe muito, pois logo ali senti. Um dos seus mais queridos alunos disparara forte e certeiro, precisamente aquele que ela nunca soubera domar. Atirou o olhar para o chão e, em som verbal emanado em direcção ao solo, encerrou ali a aula, até porque faltavam poucos minutos para a campainha soar.

Fui profundamente mau, mas todos nós incluímos um lado castigador. Não corrigiria, se pudesse, tal gesto. Senti-o e sinto justo.

Isto tudo porquê? No momento disse-o por revolta, mas outrossim por humor. Foi indubitavelmente um enorme momento de humor, apenas minorado, pela relativa supremacia da coragem tida em afrontar um professor.

O humor resume-se à ilógica ou anverso e, por isso, muitas vezes ao perverso. Outras é meramente brilhante ginástica mental, como um simples trocadilho ou uma flagrante literalidade.

Permitam-me, mais um caso de escola: aula de Latim, profundamente monótona na constante tradução de textos de Cícero e seus comparsas de época e língua; daí que, não raras as vezes, meia turma fosse à casa de banho… O Egrégio homem que foi esse professor, todavia menos brilhante pedagogo, contrapunha muitas vezes:

MAS VOCÊS TÊM ALGUM CONTRATO COM A SANITA? É ALGUMA OBRIGAÇÃO LÁ IREM?

Como calculam, ninguém retorquia; ninguém, excepto um grande senhor do humor espontâneo, cujo nome aqui não importa, mas que replicou:

– CONTRATO COM A SANITA? EU TOU-ME A CAGAR PARA A SANITA!

Humor do puro e do mais forte; em bruto e sem preconceito; para mim, uma das mais belas formas de intelectualidade. Em brinde final: ao riso!

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Chove e não se molha o chão. Cai e não encontra o solo.

Durmo e continuo com sono. Tardo em adormecer e bocejo.

Expurgo o escarro da boca; regressa, no dia seguinte.

Extermino o tesão; ressurge em revigorada força.

Mato o dia pelas 23h59 e logo surge outro.

Prendem-nos, condenam-nos, enquanto na rua já outro rouba.

Polui-se o mundo e Kyoto ainda não vincula todos os países.

Chora-se o microscópico crescimento económico, sem suficientemente promover a classe média.

Escandalizados dizem-se face ao preço do ouro negro os mesmos que, tempos antes, alertavam outros para a não renovabilidade de tal energia.

Humanas divindades há que, sentados há anos atrás, projectaram, previram e melhor concretizaram a sequência global económica, com o surgimento de grandes potências mundiais como a China e Índia, fora outros que já espreitam a tona há alguns anos, como o Brasil. Como suportar a fome insaciável de petróleo de tais economias? Nem tampouco, alguém se atemorizou e não investiu em tais locais/mercados. Agora, continuando tais gigantes sentados, olham já 2018. Até lá.

No mais e em cada um de nós, Ser não é hoje, nem foi ontem, muito menos será amanhã. Ser é tempo largo de vida, conjunto de actos variadamente praticados, sem mais. Isso? É Ser.

Vou lá.