segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

O VENTUROSO (IV)



É o dia do seu aniversário. Conta as paredes: – Quatro! – grita, como que anunciando a todo o prédio; – Cinco com o biombo! – e ri-se, despregadamente, como só quem está só pode. A idade de Cristo era a sua, 396 meses concluídos no dia anterior, mergulhando no tricentésimo, nonagésimo sétimo mês.


O tórrido calor, ainda que a data assinale 18 de Fevereiro de 2010 e estejamos no Hemisfério Norte, México, Acapulco, fê-lo manter-se escondido no escuro do pequeno quarto, aonde dormitava, quando calhava. Doze horas e trinta locais, levava vinte minutos de acordado, quando, corpo molhado no banho de água fria, saiu do seu casulo de casa.


Naquele distante país, contava por nenhum os amigos e esquecidas as mulheres arrebatadas. Sorrio quando não rio de lembrar tamanho paradoxo: um génio informático, supostamente nerd, a final, como se diz em latim, um Viriato do coração das escolhidas. Eram as mãos, só podem ser as mãos. Corriam toda a sua expressividade, entre os sons da boca, os hesitares do olhar, ou simplesmente o silêncio comentado em gestos; quase olvidava o fundo dos seus olhos: límpidos como os rios que em Portugal não há, que tão bem centravam a atenção delas.


Menti: os referidos zeros amigos, bem contados, redundavam num. Era velho, já quarentão, loiro queimado, sempre muito calado, apenas balbuciando sons, quando agitado. Todavia, era um companheiro de muitas horas, especialmente as vagas, das ondas e do tempo vazio não ocupado: uísque!


Ida, ligeira, a hora de laborar, hoje bastante pacata, já que nenhum insurgente informático tentara atacar o sistema de distribuição eléctrica da cidade, recolheu a casa. No velho descapotável, já pelas vinte e uma horas não voltou ao apartamento. Arrojou a curva que o levava à marina, numa repentina manobra de guinada à direita, esvoaçando o ambiente e derretendo borracha de pneu, naquele seu jeito de apressado exibicionista. Sério? Sim. Diante do trabalho e só quando bem pago.


– Quantos são?; – Eu e apenas eu – espreguiçou, perante o recepcionista do restaurante, no seu espanhol ibérico perfeito, não fossem os longos anos de Madrid. Sentou. Escolheu. Jantou lautamente água. Não era apenas água, não era somente bebê-la, era recuperar a alma. Naquela curva e guinada à direita, muito mais se decidira que um mero jantar solitário de aniversário. Desse opíparo líquido, tão distinto no México, pelo menos na forma engarrafada, muito se transformaria, como se, ali, se houvesse desvendado o segredo da alquimia do ser, esculpindo na mais perfeita forma: a inocência e o assumir do erro (que sempre se lembrará).

1 comentário:

Amândio Sereno disse...

Descapotável? A informática é que está a dar.

Sempre um suspensezito para nos deixar pendurados...

Muito bem, Sr. Russel.