quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

O VENTUROSO (I)

Duas horas batidas no audível e avelhentado relógio de sala, castanho escuro, duma qualquer Nogueira feroz e imponente. O que lutara para vestir a sua seminua sala com tal objecto, pelo qual suplicara, que nem pedinte, aos seus tios, aquando do inventário por conta da herança do seu avô.

No silencioso escuro, nem os passos da rua ecoavam naquela madrugada de domingo para segunda, tão morto tudo estava. Já decorreram nove anos desde a morte de seu avô, mas nem por uma noite e um adormecimento, ele o não lembrara [ressalvem-se as noites de boémia companhia, mulher (es) ou copos]. Quando voltava a si, caído do superior patamar de reavivar velhas tardes, via-se dominado pelo largo sorriso, espelhando na íris dos olhos o rosto fraterno, distante e quente de seu avô.

Embora lautas de rugas, as suas mãos, calejadas com o rigor do árduo labor, o esforço do corpo na argamassa ou fios eléctricos, sempre foram unicamente delicadas, denotando a infinita paciência de uma avô a um neto, irreverentemente venturoso. Eis-lo, sem ele e tanto dele, tanto querendo igualá-lo na sua axiologia praticada com todos, amigos ou desprezadas pessoas, ainda que sempre insistindo no seguir do instinto.

Barajas. Vive num subúrbio de Madrid, uma entre tantas cidades dormitório, esta musicada com o fragor dos sem fins baratos voos, nesta nova e fascinante proximidade citadina dentre nações. Sorriu-lhe o destino do mundo laboral, quando evocou a sua brilhante destreza intelectual, na tão hábil flexibilidade de comutação de números, alguns com mais de vinte e três algarismos, nos sempre banais zeros e uns informáticos. Conta-lhe o tempo vinte e oito anos, em boa verdade, haverá que a estes juntar outros mais meses, quatro, no limite de hoje.

1 comentário:

Amândio Sereno disse...

O Venturoso? Isto promete. Olé.