segunda-feira, 28 de maio de 2007

PAIXÃO

Aguda, dolorosa e prazerosa
Assim é ela quando me percorre,
Agora parada no tempo
Espero que nasça e me renove.
Não espero, procuro-a,
Chego-me e afasto-me de ti
Porque assim tem de ser,
Rio e choro, espero e procuro,
Ouço e falo, não actuo e critico.
Por ora vou dormir,
Sabendo, porque sinto,
Que tu me corres no corpo,
Na alma e em mim.
É onírico ter-te sendo isso efectivo.





EFÉMERO

Como o repentismo dum raio
Quando morre na superfície da Terra,
Cruzamo-nos na virtualidade de nada ser,
Acabámos beijados na doce percepção da magia.

Cada segundo contigo corre na pressa dum fugitivo,
Cada dia sem ti flutua lento sem encontrar a foz,
Sei da celeridade imensa que nos marca,
Mas sei, e muito, do gosto da tua pele e da marca do teu olhar.

Abro a minha imaginaçao,
Recordo a força da firmeza insistente do jogo contigo,
Quero ganhá-lo mas posso perdê-lo,
Feliz fico apenas por o termos jogado.

Perco-te nos dias, nas coisas que fazes,
Chamo-te mas respondes-me desfocada,
Pergunto-me o que fazer para tu me deixares ser,
Apenas ser perante ti, sem mais que o meu coração possa querer.

1 comentário:

Anónimo disse...

Prezo muito quando verifico que poemas desta craveira, apesar da susceptibilidade do tema, não caem nas lamechices bacocas que para aí andam e em nada contribuem para a elevação dos sentimentos de quem as escreve.
Permita-me, Sr. Vicent, efectuar uma análise mais detalhada das suas mais recentes criações:

"Não espero, procuro-a", em Paixão - destaco a atitude garretiana do sujeito poético( ao género do "Não te amo, quero-te" de "Folhas Caídas"). Não se limita a aguardar serena e solitariamente que o amor cresça dentro de si, antes procura a paixão que o inunda e o incendeia, ao mesmo tempo, provocando tantos sentimentos contraditórios ("chego-me e afasto-me", "rio e choro", "ouço e falo"). No fim parece perder a coragem para continuar a procurar("Por ora vou dormir"). Desengane-se o leitor. O poeta apenas se entrega ao sono porque é esse o mundo em que a paixão se concretiza verdadeiramente ("É onírico ter-te sendo isso efectivo").

Quanto ao poema "Efémero": título sem dúvida adequado ao tema patente no poema - a fugacidade do tempo. Agora mais perto de uma Clepsidra de Camilo Pessanha ("Imagens que passais pela retina dos meus olhos, porque não vos fixais?"). Cada segundo corre "na pressa de um fugitivo". "Perco-te nos dias" - o sujeito lamenta que o tempo roube a presença do objecto amado que já só respondes "desfocada".Levado pela inexorável força do caudal do tempo, no jogo da vida e do amor, o poeta tem apenas a certeza pessoana que o melhor da aventura é a partida e não a chegada ("Feliz fico apenas por o termos jogado").Ainda assim, fica a vaga esperança de alcançar um porto seguro nesta largada trágico-marítima, expressa humilde e servilmente nos dois últimos versos ("Pergunto-me o que fazer para tu me deixares ser").